quarta-feira, 20 de junho de 2012

Um outro lado dos radicais livres




       É recorrente a divulgação da ação cancerígena desempenhada pelos radicais livres no organismo quando estes interagem com as moléculas de DNA. Não obstante, o que não é conhecido pela grande maioria é o fato dos radicais livres atuarem no combate ao câncer.
      A radioterapia consiste no bombardeamento da célula tumoral com radiação ionizante a fim de que ocorram mutações letais ou subletais no DNA com consequente apoptose. Dessa forma ocorre a regressão tumoral.
       O lesionamento do DNA da célula cancerígena pode se dar de duas maneiras:
  • Efeito direto: Ocorre quando a radiação ioniza diretamente a molécula de DNA de tal sorte que a mesma sofra a mutação.
  • Efeito indireto: Ocorre quando a radiação ioniza moléculas periféricas à molécula de DNA, tal como a água por exemplo, gerando assim radicais livres altamente reativos que posteriormente irão reagir com DNA gerando mutações.
       O mecanismo pelo qual ocorre o efeito indireto pode ser dividido nas seguintes etapas:
  • Estágio físico: Absorção da energia da radiação ionizante por alguma molécula (usarei a água como exemplo, entretanto outras moléculas também podem captar a energia radiante e gerar radicais livres) com consequente liberação de um elétron:             
H2O + radiação ® H2O+ + e
  • Estágio físico-químico: Dissociação do H2O+ e redução de outra molécula de água por ação do elétron formado na fase física. A molécula de água reduzida acaba por se dissociar e gerar o altamente reativo radical hidroxila.
H2O+ ® H+ + OH

H2O + e- ® H2O-

H2O- ® H + OH-
  • Estágio químico: Os radicais livres gerados na fase físico-química passarão a atuar na degradação da macromoléculas presentes na célula, dentre elas o DNA.

  • Estágio biológico: As alterações produzidas durante a fase química vão se manifestar na forma de distúrbios na célula cancerosa tais como bloqueio da divisão celular e apoptose.  
        Há duas principais maneiras de se ministrar as radiação ionizante ao paciente:
  • Teleterapia: A emissão da radiação se dá externamente ao corpo do paciente a uma certa distância.
  • Braquiterapia: Nessa forma de tratamento os emissores de radiação ficam encerrados em reservatórios metálicos no interior do corpo do paciente.
        Os tecidos não reagem de forma  homogênea à radiação ionizante, de tal sorte que há diversos fatores que vão influenciar em uma maior ou menor sensibilidade à ação radioativa. A lei de Bergonié e Tribondeau postula que o grau de sensibilidade à radiação é proporcional ao grau de divisão celular e inversamente proporcional ao grau de diferenciação celular.
         Existem outros fatores que também vão determinar uma maior efetividade da radiação ionizante:
  • Presença de oxigênio: o oxigênio pode captar elétrons ou então sofrer fissão homolítica elevando assim a produção de radicais livres.
  • Maior temperatura: Uma maior temperatura implica em uma aceleração das reações responsáveis pela produção de radicais livres.
  • Maior LET (linear energy transfer-transferência linear de energia) da radiação incidente: A LET é uma medida que determina a dissipação de energia por caminho percorrido por parte da radiação incidente. Tal dissipação de energia está relacionada com a produção de íons. Um maior LET portanto representa uma maior produção de íons ao longo do deslocamento da radiação.
         Como é de se supor, o tecido tumoral por ter baixo nível de radiação e estar em acentuado estado de divisão acaba sendo um alvo altamente vulnerável à ação da radiação ionizante.
         A radioterapia é um tratamento realizado de forma paulatina ao longo de várias seções. Tal fracionamento da dose fundamenta-se no que se conhece como "Os 4 R's da radioterapia":
  • Reparo do dano subletal: Como é de se supor as células saudáveis não estão incólumes da ação danosa da radiação ionizante, entretanto, tais células são menos vulneráveis que as tumorais. Os danos subletais podem ser comprendidos como danos perpetrados à célula que não induzem apoptose celular e que são na maioria das vezes passíveis de correção. As células saudáveis se valem do hiato entre uma sessão de outra de radioterapia para efetuar a reparação das macromoléculas danificadas.
  • Repopulação: À medida que o tumor vai regredindo, os espaços por ele deixados vai sendo preenchido pelas células sadias circundantes. Na repopulação as células sadias irão portanto se dividir.A divisão celular, conforme já visto, é um período de vulnerabilidade da célula à radiação ionizante. Dessa forma, a atitude mais profícua é esperar a reposição celular e consequente redução da atividade mitótica para aí então realizar outra sessão.
  • Redistribuição:Na massa tumoral há células que encontram-se em fases do ciclo celular mais sensíveis à radiação ionizante e outras que encontram-se em uma fase menos sensível. Após uma sessão de radioterapia a população de células mais sensíveis sofre uma redução significativa.O intervalo entre uma sessão e outra faz com que haja tempo para que as células que estão em uma fase menos sensível possam passar para uma fase mais sensível ocorrendo assim um restabelecimento na proporção de células mais sensíveis.
  • Reoxigenação:Como já foi dito neste texto, o oxigênio potencializa a ação da radiação ionizante.Durante uma sessão de radioterapia as células tumorais mais bem oxigenadas tendem a morrer mais que as menos oxigenadas.O intervalo entre uma sessão e outra tem como desígnio proporcionar uma mobilização do oxigênio das células que eram bem providas de oxigênio e morreram em função da sessão anterior para as células que recebem um menor aporte de oxigênio.Dessa forma, as células rescém-oxigenadas estarão mais propensas à morte na próxima sessão radioterápica.
          Este texto serviu para mitigar a péssima fama atribuida aos radicais livres pelo senso comum evidenciando que tais compostos quando devidamente manipulados podem atuar em prol do bem estar humano. Cabe portanto a manutenção de pesquisas exaustivas a fim de se desenvolver novos métodos de se extrair benefícios dos tão difamados radicais livres.

Fontes:

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